quinta-feira, 27 de agosto de 2020

PORQUÊ AVALIAR?

Poderíamos ficar pela legislação e outras orientações do ME e dizer, tem de ser, somos obrigados a fazê-lo!

Felizmente, todos somos dotados de racionalidade e capacidade reflexiva, e não nos ficamos pelo tem de ser. É isso que nos faz estar aqui hoje, todos, 150 educadores.

Outra resposta bem mais interessante ao porquê avaliar, reside naquilo que pode ser entendido como uma característica humana: avaliar é inerente à nossa racionalidade.

Avaliar o que fazemos é atribuir significado a uma experiência vivida. É desses significados que se faz a nossa história enquanto pessoas.

Avaliar é também fazer um balanço da importância, do impacto em mim e nos outros da experiência vivida, o que nos permite perspetivar o que queremos fazer e viver no futuro.

Dito assim, faz todo o sentido avaliar em Educação de Infância. Avaliamos para construir as nossas histórias. As histórias de pessoas que vivem determinadas experiências educativas. Avaliamos para perceber a importância que tiveram para nós as experiências e para perspetivar o que queremos fazer a seguir.

Esta é também a conceção de avaliação que encontramos nas OCEPE.

Confesso que a primeira ideia que me ocorreu, a propósito da avaliação, quando as creches e os jardins de infância fecharam foi que em Educação de Infância não iria fazer sentido a avaliação do 3ºP.

As crianças estão em casa, não vamos ter contacto com todas, os pais não são educadores de infância e não têm que fazer registos de coisa nenhuma, portanto, não temos dados. Sem dados sobre a evolução das crianças não se faz avaliação!

No momento seguinte apercebi-me que tinha caído na armadilha da minha própria história enquanto aluna. Aprendi na escola, como todos, ou quase todos, que a avaliação é a atribuição de um valor pelo outro, o professor, às aprendizagens do aluno, por referência a uma norma, um padrão, um conjunto de objetivos pré-definidos externamente.

Nessa avaliação nunca coube a minha vida, as minhas circunstâncias ou o processo como fiz as aprendizagens. Sabia ou não sabia, mostrava que sabia, ou não mostrava, nos testes, nos trabalhos, na participação nas aulas… Contas feitas ao que sabia e não sabia, ao que mostrava ou não, obtinha-se a minha nota, o meu valor naquele ano ou naquela disciplina.

Mas o que é que isso tem a ver com aquele meu primeiro pensamento sobre a avaliação no 3ºP?

É que ali, naquele meu primeiro pensamento, está a ideia de que alguém vai atribuir um valor ao desempenho da criança, dizendo que ela faz isto e aquilo. Para atribuir esse valor é necessário observá-la a realizar determinadas atividades, aquelas que eu previ, no projeto curricular de grupo, que acontecessem. Ou então é necessário que alguém forneça evidências de que ela faz coisas que, não sendo aquelas que eu previ, a elas se assemelham, porque desenvolvem as mesmas competências.

Com base nisto, o meu primeiro pensamento esvaiu-se e a minha conceção de avaliação de educadora ganhou à minha conceção de aluna.

Faz sentido avaliar no 3ºP, sim!

Então o que podemos avaliar?

Podemos, em conjunto com a criança, com a família e toda a equipa educativa, interpretar, atribuir significados à experiência vivida durante o ano letivo. E durante o ano letivo significa incluir o período de E@D e também aquele em que a criança enfrentará uma nova forma de viver na creche e no JI, hipoteticamente, com máscaras.

Nada nos impede de descrever, construir narrativas que mostrem a outros como fomos sentindo a criança “crescer” ao longo do ano letivo. Que mostrem como as atividades, as circunstâncias, os processos, acrescentaram a criança em aprendizagens.

A avaliação é contínua em EI, assim como em todo o ensino básico e secundário e deve dar origem a um registo descritivo da evolução, das conquistas, no final do ano letivo.

Como sabemos sobre esse crescimento?

Sabemos porque vivemos com a criança até março e escutámos com os olhos, os ouvidos e o nosso corpo. Sabemos porque sempre falámos, e agora ainda falamos mais, com os pais, com os seus cuidadores. Sabemos porque falamos com ela ao telefone ou em videoconferência, e também sabemos, ou tentamos por todos os meus saberes, quando não conseguimos falar.

Sabemos porque nos enviaram uma fotografia, sabemos porque percebemos a sua alegria ou tristeza do outro lado da tela ou do auscultador, sabemos porque nos quer mostrar algo e sabemos porque não nos quer mostrar nada!

Sabemos porque a assistente nos disse, quis partilhar...

Não podemos descurar a informação dessas outras pessoas, que não somos nós, sobre aprendizagens, mas mais do que isso, sobre as histórias e circunstâncias de aprendizagem de cada criança. Mas o olhar dessas pessoas, só nos chegará se abrirmos todos os canais de comunicação possíveis.

Nem todos estão ligados em plataformas online, nem todos atendem o telefone… de alguns só nos chegam informações pelo correio ou pelas pessoas que entregam os almoços e os materiais. Mas vamos sabendo, vamos contextualizando as aprendizagens que estão a acontecer, ou simplesmente descrevendo o que sabemos desses contextos de aprendizagem e procurar ajuda, se necessário.

Quando voltarmos à creche e ao JI saberemos, mesmo se tivermos máscara, porque continuaremos a olhar a criança, a ouvi-la, a senti-la, a apreciar a forma como constrói a sua própria história até ao final do ano letivo, mesmo que as condições sejam mais adversas à aprendizagem.

As crianças estão a construir e contruirão histórias que as acompanharão para a vida e nós estamos aqui para as ajudar a escrevê-las, para as registar.

Não, não precisamos de a medir e de somar o que já sabe fazer, para mostrar aos outros quanto “cresceu”! E não mostraremos nada a ninguém, nem a nós próprios, se quantificarmos a sua participação e a participação das suas famílias no E@D. A quantificação nada nos diz sobre o impacto, os efeitos que algo tem nós.

Vamos precisar de muita sensibilidade e muita empatia para compreender o impacto das experiências vividas, durante o período Covid-19, nas histórias de vida das nossas crianças.

Que instrumentos vamos usar?

Sabemos que, tal como é dito nas OCEPE, a avaliação não é independente da pedagogia, da forma como fazemos acontecer a aprendizagem. Por isso, na observação da ação da criança usaremos os mesmos instrumentos que já usávamos, no registo também.

E quando não há oportunidade de observação?

Vamos precisar de encontrar outros modos de ouvir as famílias e as crianças e de aprender a valorizar o que nos têm a dizer, integrar essas perspetivas na avaliação que fazemos. A avaliação resulta de múltiplos modos de observar, mas também de múltiplos olhares sobre o que a criança aprende. A perspetiva da família não tem que ser a nossa, mas é igualmente útil, porque a criança vive numa família que a vê de determinado modo e tem em relação a ela determinadas expectativas.

Não queiramos que a família faça na avaliação da criança o que faria um educador, nem pensemos que a perspetiva da criança se assemelha a qualquer forma de autoavaliação usada na escola. Teremos que os ouvir, deixando que usem a linguagem da forma que lhes é mais natural usar. Cabe-nos a nós registar.

E quando, mesmo assim, não há dados?

Precisamos pensar que a avaliação em EI não é apenas avaliação das aprendizagens e que as narrativas que conseguirmos construir podem ajudar a encontrar alternativas ao isolamento e ao acesso à educação de algumas crianças e, assim, mitigar desigualdades.

Como ouvi hoje dizer ao Secretário de Estado João Costa, o que estamos a fazer não é o que é bom fazer, estamos a inventar, a colocar remendos num tecido muito esburacado.

Pessoalmente, acho que ao colocar estes remendos poderemos também fazer aprendizagens importantes enquanto profissionais. Não desperdicemos a oportunidade.

Ofélia Libório

ESPAÇO DE CIDADANIA

A Educação de Infância é, sem dúvida, fundamental enquanto espaço de cidadania de crianças e de futuros adultos. É também aí, neste tempo-lugar da infância que se constroem as bases da aprendizagem ao longo da vida, todos sabemos! 

E em tempo de pandemia, de reclusão, em que os espaços escolares não conhecem as disputas, os abraços, os gritos e os risos das crianças, qual é o lugar da Educação de Infância?

Podemos nós, educadores, manter vivo, nas crianças, o interesse por esse espaço-tempo de viver e aprender em grupo?

Neste tempo de reclusão, as famílias, sem conhecimento prático e científico do desenvolvimento curricular na infância, têm sido confrontadas com a necessidade de fazer da sala de jantar uma sala de atividades. Têm sido muitas as sugestões de atividades diárias dirigidas, impostas ou simplesmente "planeadas pelo educador", numa procura de continuar a apresentar às crianças propostas com intencionalidade educativa, mas a que falta quase tudo: um educador como mediador da aprendizagem e a possibilidade de aprender em interação com outros (os pares).

Mas, no fundo, todos sabemos que o ensino à distância em Educação de Infância não faz sentido!

Então não é pertinente a nossa intervenção pedagógica junto das crianças e famílias neste momento? Qual o papel do educador?

O nosso grande desafio deverá ser ajudar e acompanhar famílias e crianças neste momento tão singular, sem cair na tentação de propor trabalhos do tipo escolar, ou arte do tipo pronto-a-vestir. Este não é papel da Educação de Infância, mas também já não o era.

Estes tempos estranhos são (ou terão de ser) acima de tudo, tempos de interações, brincadeiras, descobertas e vivências, de relações, momentos, acima de tudo, para serem vividos com os pais. Institucionalizar a casa das famílias não é o caminho!

Ao educador caberá acompanhar, propor quando houver espaço para isso, manter o contacto, a memória coletiva do espaço-tempo do jardim de infância, cuidar de alimentar as relações cortadas à força pelo vírus.

Então e as propostas?

Falemos da importância de brincar, de fazer coisas juntos mas também da autonomia das crianças, da participação nas tarefas domésticas, da oportunidade para experimentar novas receitas, dos elementos naturais que entram em casa e dos objetos que lá existem, como são, para que servem e poderão servir, dos livros que há lá em casa, das histórias que os mais velhos contavam e contam, de estarmos tristes e contentes e de como é importante ouvir o que as crianças têm para nos dizer.

Vamos deixar que as crianças contem o que estão a fazer em casa, o que vêem das suas janelas.

Vamos deixá-las mostrar os seus brinquedos, as suas casas, os seus irmãos, os seus animais de estimação... Vamos manter as creches e jardins de infância "abertos" online para intensificar afetos…

Nestes momentos não há modelos, metodologias, orientações ou autores para nos colocarmos nos seus ombros, ou talvez haja, porque os princípios não mudaram com o Covid-19, as crianças são protagonistas da sua aprendizagem!

ESCOLA PANDEMIA

Nestes tempos de confinamento, muito se tem refletido (sobretudo questionado) sobre modelos de planificação, suportados por estratégias de “Ensino à Distância”, que possam ser propostos às famílias pelos profissionais de Educação de Infância.

Atrevemo-nos a dizer que estes não são tempos nem de “Ensino à Distância”, nem de “Ensino Doméstico” nem sequer de “Escola On-Line”…

Talvez seja mais adequado falar do tempo da “Escola-Pandemia”.

Ao longo das últimas décadas, muito do que se tem pensado como educação, na escola, foi-se transformando numa espécie de corrida pelos resultados, na qual as expectativas académicas, os testes standard, a competição extrema entre estudantes (e famílias), o quase desaparecimento das artes e das humanidades dos currículos e a diminuição das expressões têm levado a compreender a escola de forma distinta do que nos exige o tempo de Covid-19.

Este modelo escolar baseia-se em estratégias de pressão e stress, move-se por “objetivos” e pelo controlo funcional do tempo na escola (e às vezes também na família). Mesmo que disso não tenhamos consciência, esta pressão normalizou a ansiedade e as depressões e fez esquecer que, o mais importante, talvez seja a forma como aprendemos.

A “Escola-Pandemia” vem propor-nos mudanças e obriga-nos a refletir, a reinterpretar as nossas funções a partir de casa.

Com as creches, jardins de infância, escolas e universidades encerradas, as famílias tentam assegurar o seu sustento enquanto cuidam dos seus membros mais velhos e tentam responder aos (inúmeros) pedidos das escolas. Somam a esta dificuldade o ter que continuar a trabalhar, com a incerteza do que acontecerá depois desta crise. Os jovens e crianças, sem os contactos relacionais e a interação social a que estavam habituados, tentam “navegar” neste novo tipo de escola, ao mesmo tempo que são expostos aos horrores do Covid-19 que lhes alterou todas as rotinas que conheciam.

Claramente não vivemos tempos de normalidade e ninguém espera que esta “Escola-Pandemia” funcione da mesma forma que aquela que conhecíamos.

Porém, esta escola anormal, talvez nos traga alguns desafios interessantes, nomeadamente o desafio de valorizar dimensões esquecidas na formação dos seres humanos.

Talvez este seja um momento adequado para fazermos uma pausa! O que é urgente aprender?

Precisamos aprender a dar atenção aos altos e baixos emocionais, a manter a motivação, a readequar rotinas, a viver em família a tempo inteiro com tudo o que isso implica, a lavar bem as mãos, a não tocar na face, a não visitar amigos e família.

Precisamos também de aprender a utilizar formas alternativas de chegar aos mesmos fins e a deixar os jovens e as crianças descobrir o que lhes pode interessar.

Aprender, neste momento, implica abandonar a corrida aos resultados, esquecer as grelhas e as classificações, acabar com julgamentos e penalizações e tentar compreender como nos podemos ajudar, enquanto coletivo, enquanto Humanidade.

Talvez seja uma oportunidade para os docentes, enquanto pessoas e profissionais, aprenderem com os seus alunos e as suas famílias.

É importante respirar fundo e perceber que só ganharemos este tempo que vivemos, se nos mantivermos juntos (afastados).

E isto não é “Ensino à Distância”, não é “Ensino Doméstico”, na realidade não é nada que conheçamos!

Mas ninguém pode negar que estamos a aprender, dia após dia.